INDIVÍDUOS OU NAÇÕES? (Romanos 9: Uma Leitura Arminiana Sob a Nova Perspectiva)

Indivíduos Ou Nações?


E o que fazer com o verso "Amei Jacó, odiei Esaú" (Rm 9:13 citando Ml 1:2,3)? Novamente, a fonte da citação revela claramente que são as nações as referenciadas, e não os indivíduos Jacó e Esaú. O ponto da comparação é a natureza da terra que fora dada às duas nações. Deus deu preferência a Jacó na terra que Ele entregou a Israel. Malaquias passa a discutir o fato que Edom chegou sob o julgamento de tal forma que ela jamais seria capaz de reconstruir sua terra; mas esta foi uma conclusão premeditada desde antes de Jacó e Esaú nascerem? Não parece ser este o caso. Deuteronômio 2:4-6 sugere na verdade o oposto disto. Deus não permitiu aos israelitas atacar Edom ou tomar qualquer parte de sua terra, afirmando que "Eu tenho dado a Esaú as colinas de Seir como sua possessão. Vocês os pagarão em prata pela comida e água que consumirem". Isto dificilmente seria consistente com um povo "odiado por Deus".

É mais provável que "amar" e "odiar" em Malaquias 1 e Romanos 9 devem ser tomados meramente em termos de preferência, bem como a afirmativa de Jesus em Lucas 14:26:
Se alguém vier a mim, e não odiar seu pai, e mãe, e esposa, e filhos, e irmãos, e irmãs, sim, e sua própria vida também, ele não pode ser meu discípulo.{Lucas 14:26 King James}

Ninguém seria capaz de imaginar que Jesus realmente esteja chamando seus discípulos a odiar seus familiares em termos absolutos, mas meramente escolher a Ele em preferência de seus familiares. Deus simplesmente preferiu Jacó a Esaú, tanto em termos da terra recebida pelos seus respectivos descendentes, quanto em termos da linha de sucessão da nação da aliança.

Se alguém quiser argumentar que "Amei Jacó e odiei Esaú" se deve a eleição para salvação, este deve lidar com o fato de que a primeira vez que esta citação é feita, não é em Gênesis, mas em Malaquias. O ponto de Deus não deve ser que todo o Israel dos tempos de Malaquias havia sido salvo! De fato, Deus acusara Israel pelo resto de Malaquias especificamente porque eles estavam sendo infiéis à aliança e arruinaram a fé em Deus de muitas maneiras. Em vez de ser uma agradável garantia do favor de Deus, a assertiva "Amei Jacó mas odiei Esaú" é parte da acusação de Deus – que ainda que Deus tenha favorecido Israel, não obstante Israel vinha sendo infiel, e estava portanto sob julgamento.

Paulo usa estas citações em Romanos 9 outra vez para se opor aos judeus que poderiam dizer que se o Evangelho de Paulo estivesse correto então "a Palavra de Deus falhou" (Rm 9:6). Sua resposta a estes é que Deus jamais fez promessas incondicionais, baseadas em "obras" ou etnia, que eles poderiam reivindicar. Deus soberanamente escolheu Isaque em vez de Ismael, e soberanamente escolheu Jacó a Esaú; e portanto, Ele pode soberanamente escolher na base da fé em Cristo, em oposição a obras da Lei ou etnia.

Para o hipotético interlocutor judeu, é claro, a aparente mudança de Deus (de Lei e etnia para fé como critério de eleição) aparentemente seria injusto (Rm 9:14). Note, a propósito, que a presente interpretação do argumento de Paulo faz todo o sentido para a sensação de injustiça do interlocutor hipotético. Nenhum judeu veria injustiça na eleição gratuita de Isaque em vez de Ismael ou de Jacó em vez de Esaú como indivíduos. A única coisa acerca do argumento que os faria ver Deus como injusto é que "nem todos os descendentes de Israel são Israel" (Rm 9:6), e para Paulo, é claro, que era um descendente verdadeiro de Abraão a segui-lo pela fé (Rm 4:11-12, Gl 3:7-8).

JACÓ E ESAÚ (Romanos 9: Uma Leitura Arminiana Sob a Nova Perspectiva)

Jacó e Esaú


Para o caso de o dito interlocutor judeu hipotético argumente que Isaque era o filho legítimo em oposição a Ismael, filho da escrava, Paulo desce mais um nível na árvore genealógica para encontrar um exemplo mais convincente, o de Jacó e Esaú (Rm 9:10-13). Eles têm os mesmos pais biológicos, e até mesmo nasceram ao mesmo tempo como gêmeos. A única primazia natural que um teria um teria sobre o outro seria o direito de nascimento, que acabou por ser de Esaú. Mesmo assim, antes de eles nascerem, foi dito a Rebeca que "o mais velho serviria o mais moço" (Rm 9:12 citando Gn 25:23). Paulo chega a afirmar que a razão de Deus ter dito a Rebeca foi "a fim de o propósito divino acerca da eleição ficasse firme" (Rm 9:11). Certamente esta é uma clara referência a uma eleição individual incondicional.

Muitos arminianos escolhem neste ponto inserir o pré-conhecimento de Deus como chave para entender esta passagem; isto é, apesar de ter sido "antes que os gêmeos fizessem qualquer coisa boa ou má" (Rm 9:11), Deus ainda os julgaria com base do que Ele saberia que eles fariam futuramente. Isto claramente vai contra a intenção da passagem. Paulo certamente exclui o mérito pessoal da consideração da eleição de Jacó e Esaú. Tal eleição "não foi por obras, mas pelo que chama". Deus era perfeitamente livre para escolher entre Jacó e Esaú, e escolheu Jacó livremente.

Porém, novamente, a escolha não envolve eleição individual para salvação ou danação, mas sim a linhagem pela qual os filhos da aliança viriam. Gênesis 25:23, de onde Paulo cita, claramente se refere a nações, não indivíduos:
E o SENHOR disse a ela, Duas nações há em seu ventre, e dois tipos de povos sairão de suas entranhas; e um povo será mais forte que o outro; e o mais velho servirá o mais moço. {Genesis 25:23 King James}

ISAQUE E JACÓ (Romanos 9: Uma Leitura Arminiana Sob a Nova Perspectiva)

Isaque e Jacó


Em Romanos 9:7, Paulo cita Gn 21:12 para explicar que, mesmo antes de Isaque nascer, Deus havia determinado que a descendência de Abraão seria "contada" a partir de Isaque – em outras palavras, o povo da aliança passaria pela linhagem de Isaque em vez da de Ismael. O contexto original da passagem, incidentalmente, deixa claro que não apenas Isaque seria escolhido, mas que Ismael seria rejeitado em favor de Isaque. Ainda, Deus deixa claro que Ismael seria rejeitado por Abraão, tal que a linha de sucessão da aliança é claramente por Isaque; não obstante, Ele assegura a Abraão no verso seguinte (Gn 21:13) que "do filho da serva farei também grande nação, porque ele é sua descendência". Nos versos seguintes lemos que "Deus ouviu o garoto [Ismael] chorando... 'Dele farei grade nação'... Deus estava com o garoto enquanto ele crescia" (Gn 21:17-20). Em outras palavras, Deus tinha um plano positivo para Ismael e seus descendentes, bem como para Isaque e seus descendentes; é apenas em relação a ser membro da nação da aliança que Ismael fora rejeitado.

Paulo, significativamente, interpreta a citação como significando que "não são os filhos naturais os filhos de Deus, mas os filhos da promessa que são contados como descendência de Abraão" (Rm 9:8). Ele sutilmente faz aqui o que fica mais evidente em Gálatas 4:21-23: ele identifica o Israel étnico com os filhos de Agar, em oposição aos de Sara. Desde que o Israel étnico dependia da descendência natural de Abraão, eles eram análogos a Ismael, que fora descendente de Abraão (sem mencionar a primogenitura) de forma puramente natural. Os cristãos, confiando que "aqueles que creem são filhos de Abraão" (Gl 3:7), são análogos a Isaque, o filho da promessa. Em Romanos 9:8, Paulo cita Gênesis 18:10,14 para estabelecer que a promessa de fato ocorrera antes da concepção de Isaque.

O uso de Isaque e Ismael por Paulo, então, não tem como intenção ser uma afirmação sobre sua eleição eterna individual, nem ser um caso típico de eleição e reprovação. Ele de fato estabelece que o povo judeu não tem razão alguma em confiar na descendência de Abraão para garantir sua inclusão na aliança. Se eles pudessem, os descendentes de Ismael teriam tanto direito a reivindicar as promessas de Deus quanto os descendentes de Isaque.

INTRODUÇÃO (Romanos 9: Uma Leitura Arminiana Sob a Nova Perspectiva)

Introdução


Romanos 9 é geralmente citado como um dos mais claros exemplos escriturísticos na doutrina reformada da eleição individual: ela discute a escolha soberana de Deus de Isaque em preferência a Ismael e Jacó em vez de Esaú, sem levar em conta qualquer mérito do escolhido ou demérito dos não escolhidos. Depois é contra-atacado ser a objeção arminiana que a eleição incondicional parece injusta para nosso senso humano de justiça, e usa-se Faraó como exemplo de alguém que Deus 'levantou' para o expresso propósito de tornar-se uma demonstração do poder de Deus. Deus suporta com muita paciência esses 'objetos de ira' a fim de glorificar-se ante aos 'objetos de sua misericórdia', ou seja, os eleitos (veja Agostinho, "To Prosper and Hilary" 14; Calvino, Institutes 3.22.4-6).

Eu afirmaria que esta interpretação ignora o contexto maior de Romanos 9-11, cujo tema principal é lutar com as implicações do Evangelho para a nação de Israel. Ele também ignora os contextos das citações de Paulo do Antigo Testamento, que quando vistos sob uma perspectiva correta, lançam uma luz diferente nos argumentos de Paulo. Paulo está lutando contra o fato de que Deus tenha feito certas promessas nas Escrituras concernentes a Israel, muitas das quais ele vê como cumpridas em e por intermédio de Jesus Cristo. Porém Israel como um todo não veio a Cristo. O que isto significa para Israel, para a veracidade da Escritura, e para o Evangelho de Paulo? Estas questões dominam a mente de Paulo em Romanos 9-11, e suas assertivas sobre eleição devem ser analisadas em termos destas questões.

Romanos 9:1 faz uma clara ruptura com o que vinha acontecendo antes, e ainda os capítulos que se seguem são intimamente relacionados com os que o precedem. Paulo tem demonstrado em Romanos 1-8 a queda da humanidade (tanto judeus como gentios), justificação não por "obras da lei" (ergon nomou, Rm 3:20) mas sim pela "fé em Jesus Cristo" (pisteos Iesou Christou, Rm 3:22), Abraão como um exemplo de justificação pela fé, e as implicações práticas da justificação pela fé. O argumento teórico de Paulo é de fato bem envolvido no final do capítulo 8, exceto por estabelecer a relação entre sua doutrina de justificação pela fé em Cristo e o relacionamento histórico que Deus tem tido com o Israel étnico. Ainda que Paulo represente a justificação pela fé não como novidade mas como algo que começara com Abraão, isto não responde a questão de por que Deus havia relacionado a seu povo Israel primariamente na base de sua descendência por Abraão e de sua guarda da Lei. A Escritura deixa claro que os israelitas se viam a si mesmos como relacionando-se com Deus na base destas duas coisas (descendência de Abraão: Gn 26:24, Dt 4:37, Mt 3:9, Lc 1:72-74; mantendo a Lei: Ex 20:6; Lv 26:3; 1Rs 9:4-5; Ne 1:9; Dn 9:4; Mt 19:17; At 15:5). O povo judeu, que não estava vindo em grande número a Cristo, poderia muito bem argumentar que se a doutrina de Paulo sobre a justificação pela fé fosse verdade, então Deus essencialmente quebrara Suas promessas com Israel. Se Israel vê a inclusão na aliança como baseada na descendência de Abraão e na manutenção da Lei, então como Deus poderia voltar atrás e dizer "não, inclusão na aliança não é baseada em descendência de Abraão nem em manter a Lei, mas sim na fé em Cristo"? Parece-lhes que a Palavra de Deus havia falhado (Rm 6), que é o que Paulo se esforça na disputa em Romanos 9-11.

Em resumo, o argumento de Paulo se inicia atacando as duas hipóteses que haviam sido feitas sobre o relacionamento de Deus para o Seu povo. A linha de argumentação de Romanos 9-11 tem por finalidade responder à acusação específica de que, se o Evangelho de Paulo fosse verdadeiro então a Palavra de Deus haveria falhado acerca de Israel. Muito da interpretação tradicional desta passagem parece manter essa ênfase em mente apenas em uns poucos versos, mas de fato esta acusação é a posição primária contra a qual Paulo está escrevendo ao longo destes três capítulos. É a posição essencial do "interlocutor hipotético" que Paulo invoca em Rm 9:19-20, e é implicada em uma série de outros versos (por exemplo, Rm 9:6,16,32). No capítulo 3, Paulo já havia demolido a possível objeção de que os judeus podem confiar na guarda da Lei; porém, os judeus poderiam ainda confiar na descendência de Abraão como indicativo de sua inclusão na comunidade da aliança. Após isto tudo, as promessas do Antigo Testamento relacionadas à restauração de Israel não estão subordinadas à perfeita guarda da Lei; em alguns casos, aparenta que a adesão à Lei é na verdade uma das promessas a serem cumpridas (p.ex. Jr 31:33). Então se Paulo afirma que a justificação é pela fé em Cristo, e se este padrão acaba por excluir a maioria dos judeus, os que não vieram à fé em Cristo, então parece que as promessas de Deus a Israel são vazias.

A resposta de Paulo é simplesmente para demonstrar que Deus nunca escolheu descendentes em Abraão, meramente por descendência física, para inclusão na comunidade da aliança. Isto é claro porque nem todos os descendentes de Abraão foram incluídos, mas apenas os descendentes de Isaque e depois os de Jacó. Em outras palavras, o "atrito" (se nos for permitido chamar assim) que ocorre entre as gerações de Isaque e Jacó não para aqui, mas continua através descendentes de Israel. É neste sentido que "nem todos os descendentes de Israel são Israel" (Rm 9:6)