O OLEIRO E O BARRO (Romanos 9: Uma Leitura Arminiana Sob a Nova Perspectiva)

O Oleiro e o Barro

O Oleiro e o Barro

Então, o interlocutor se pergunta "Por que Deus ainda nos culpa?" A disputa dos intérpretes reformados sempre foi que se os arminianos estivessem corretos, a resposta óbvia ao interlocutor seria que o interlocutor deve usar seu livre arbítrio para vir a Deus em fé; se ele o fizesse, não seria condenado. Porém, isto é um mal-entendido. O interlocutor não pergunta por que Faraó ou os judeus não podem vir a Deus em fé; o interlocutor está perguntando por que a fé em Cristo deve ser necessária. Isto é, como pode Deus culpar o judeu por esperar estar entre o povo escolhido porque ele é judeu? – em outras palavras, porque ele era descendente de Abraão e porque ele guardava (num sentido relativo) a Lei? Como pode Deus culpar os judeus por falharem em vir à fé em Cristo, visto que a fé não era o que os judeus foram levados a esperar como critério para eleição?

Pode ser objetado que nem a questão judeu/gentio nem a fé são de contexto imediato aqui. Devemos lembrar que justificação pela fé forma a base do raciocínio de Paulo em todo o trecho de Romanos 1-8, e que Romanos 9-11 forma uma resposta estendida para o que esta doutrina significa para os judeus. Paulo está defendendo sua tese que a palavra de Deus jamais falhou, e que nem todo descendente de Israel constitui o Israel de Deus (Rm 9:6). Paulo explicitamente chega a esta conclusão de seu argumento em Romanos 9:30-32. Somente separando Rm 10-24 do contexto é que esta passagem seria interpretada primariamente em termos da eleição incondicional individual.

Paulo então responde a seu interlocutor, "Quem és tu, ó homem, para retrucar a Deus?" (Rm 9:20). Se a questão do verso 19 significar "Por que os reprovados são julgados por não terem vindo à fé?" a resposta continua insatisfatória. Mas se a questão significar "Por que as pessoas escolhidas por Deus – Israel – têm que vir à fé em Cristo?" então a resposta faz bastante sentido. Não nos cabe definir os critérios de Deus para inclusão na comunidade da aliança.

Paulo então parafraseia um trecho de Isaías 29:16 em apoio à sua recusa do interlocutor. "Pode a coisa criada dizer a quem a criou “por que me fizeste assim?"” (Rm 9:20). A seção de Isaías da qual esta paráfrase foi feita é digna de nota:

[13] Por isso o Senhor disse: Pois que este povo se aproxima de mim, e com a sua boca e com os seus lábios me honra, mas tem afastado para longe de mim o seu coração, e o seu temor para comigo consiste em mandamentos de homens, aprendidos de cor; [14] portanto eis que continuarei a fazer uma obra maravilhosa com este povo, sim uma obra maravilhosa e um assombro; e a sabedoria dos seus sábios perecerá, e o entendimento dos seus entendidos se esconderá. [15] Ai dos que escondem profundamente o seu propósito do Senhor, e fazem as suas obras às escuras, e dizem: Quem nos vê? e quem nos conhece? [16] Vós tudo perverteis! Acaso o oleiro há de ser reputado como barro, de modo que a obra diga do seu artífice: Ele não me fez; e o vaso formado diga de quem o formou: Ele não tem entendimento? {Isaías 29:13-16 Almeida Recebida}

Claramente este trecho se refere a pessoas cuja adoração a Deus é meramente pretensa, e que pensam que podem planejar e fazer o mal sem o conhecimento ou a interferência de Deus. Não apenas nesta passagem, que é diretamente citada em parte, mas de fato em todas as passagens nas quais esta ilustração barro-oleiro é usada (Is 45:1-13, 64:4-8; Jr 18:1-10) se referm a pessoas que estão debaixo de julgamento por causa de sua falsa adoração e desprezo a Deus e Sua Lei, e ou implica ou especificamente oferece restauração aos arrependidos (Is 29:17-19, 45:14,22; 64:9-12). Jeremias 18:6-10 claramente indica que o "barro" não é meramente passivo:

[1] A palavra que veio do Senhor a Jeremias, dizendo: [2] Levanta-te, e desce à casa do oleiro, e lá te farei ouvir as minhas palavras. [3] Desci, pois, à casa do oleiro, e eis que ele estava ocupado com a sua obra sobre as rodas. [4] Como o vaso, que ele fazia de barro, se estragou na mão do oleiro, tornou a fazer dele outro vaso, conforme pareceu bem aos seus olhos fazer. [5] Então veio a mim a palavra do Senhor, dizendo: [6] Não poderei eu fazer de vós como fez este oleiro, ó casa de Israel? diz o Senhor. Eis que, como o barro na mão do oleiro, assim sois vós na minha mão, ó casa de Israel. [7] Se em qualquer tempo eu falar acerca duma nação, e acerca dum reino, para arrancar, para derribar e para destruir, [8] e se aquela nação, contra a qual falar, se converter da sua maldade, também eu me arrependerei do mal que intentava fazer-lhe. [9] E se em qualquer tempo eu falar acerca duma nação e acerca dum reino, para edificar e para plantar, [10] se ela fizer o mal diante dos meus olhos, não dando ouvidos à minha voz, então me arrependerei do bem que lhe intentava fazer.{Jeremias 18:1-10 Almeida Recebida}

Deus soberanamente decidiu o que fazer acerca do barro: ele resolveu responder ao barro de acordo com seu arrependimento ou obstinação. Citando a metáfora oleiro/barro em Romanos 9:20, Paulo essencialmente afirma aos judeus que Deus lidará com eles de acordo com o seu arrependimento – como Ele sempre disse que faria. O "barro" aqui na citação não se refere aos não-eleitos; se refere a Israel, que não sente ser necessário vir a Cristo. O interlocutor que acredita que Israel deveria ser salvo por causa de sua etnia é lembrado que o arrependimento sempre foi requerido para a salvação – até mesmo a do judeu. A imagem é do barro culpando sua posição sobre o oleiro, em vez de humildemente pedir para ser remoldado.

Paulo então pergunta, "Não tem o oleiro direito sobre o barro, para fazer um vaso para honra e outro para desonra?". A ofensa aqui é precisamente que Israel, que se imaginava um "vaso para honra" em comparação aos gentios, que estariam na posição de vasos de desonra. Significativamente, em 2Tm 2:20-21, Paulo indica que as escolhas de uma pessoa determinam que tipo de uso se fará delas:

[20] Ora, numa grande casa, não somente há vasos de ouro e de prata, mas também de madeira e de barro; e uns, na verdade, para uso honroso, outros, porém, para uso desonroso. [21] Se, pois, alguém se purificar destas coisas, será vaso para honra, santificado e útil ao Senhor, preparado para toda boa obra. [22] Foge também das paixões da mocidade, e segue a justiça, a fé, o amor, a paz com os que, de coração puro, invocam o Senhor. {2 Timóteo 2:20-22 Almeida Recebida}

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