Perseverança dos Santos Parte 7

Perseverança dos Santos Parte 7: Quem É Santificado em Hebreus 10:29?

Perseverança dos Santos Parte 7: Quem É Santificado em Hebreus 10:29?

Examinaremos agora uma das interpretações alternativas oferecidas pelos proponentes da segurança incondicional acerca do apóstata de Hb 10:29 ser santificado pelo sangue do Testamento. Calvinistas são bem cientes que se o texto estiver afirmando que o apóstata foi verdadeiramente santificado pelo sangue de Cristo, então a sua doutrina não pode suster-se. É por esta razão que estas interpretações alternativas são oferecidas apesar da clara linguagem da advertência. A primeira tentativa é afirmar que aquele santificado pelo sangue da aliança não é o apóstata afinal, mas o próprio Cristo. Grudem não adota esta visão mas crê que ela ela é digna de análise mais cuidadosa (Still Sovereign, pg. 178, footnote #91), enquanto os calvinistas Peterson e Williams acham-na inaceitável (Why I Am Not An Arminian, pg. 86, footnote #24).

O argumento é bem apresentado no livro de James White, The Potter's Freedom, e por esta razão interagirei com sua defesa desta interpretação particular. Ele escreve:

O erro que é geralmente feito acerca desta passagem é entender "pelo qual foi santificado" como a pessoa que prossegue pecando deliberadamente contra o sangue de Cristo ... Mas lembre-se novamente que o argumento do escritor vemos que o escritor se refere a Cristo como aquele que é santificado, separado, mostrado como santo, por seu próprio sacrifício, e este é por que é tão terrível coisa conhecer o o poder e propósito do sangue de Cristo e ainsa assim tratá-lo como "comum", como qualquer dos sacrifícios de bodes e touros oferecidos debaixo do antigo sistema. (pp. 244, 245)

James White então cita John Owen como apoio de sua incomum interpretação, e daí conclui,

O horrível alerta desta passagem, então, vem a partir do entendimento que não há mais sacrifício para os pecados. Cristo ofereceu a Si mesmo uma vez, portanto, aperfeiçoou aqueles por quem ele morreu. Tratar este perfeito sacrifício, então, como "comum" ao retornar aos sacrifícios repetitivos do antigo sistema é cuspir na própria face do Filho de Deus. Que espécie de punição, de fato, é cabível em tal situação! (ibid. 245)

Examinando a asserção de White de que o "santificado" pelo "sangue da aliança" é "Cristo, o Filho de Deus", e não o apóstata, é muito importante que tenhamos um entendimento claro do que "santificado" significa nesta passagem. Enquanto a palavra geralmente significa "separado", o contexto deve determinar qual palavra está sendo usada. Santificado simplesmente significa "separado" nesta passagem, ou há referência a algo mais? É claro que Sr. White quer que não olhemos além de "separado" já que isto o permitirá aplicar melhor esta palavra a Cristo, e não necessariamente o apóstata sendo abordado nesta passagem.

Novamente, White escreve, "Mas lembrando novamente que o argumento do escritor [a superioridade de Cristo como um maior Sacerdote] vemos que o escritor refere-se a Cristo como aquele que foi santificado, separado, mostrado santo, por seu próprio sacrifício". Ele cita Owen favoravelmente, que oferece Jo 17:19; Hb 2:10; 5:7,9; 9:11,12 como citações escriturais apoiando sua nova interpretação. Examinaremos portanto cada texto para ver se eles são aplicáveis ao verso em questão. Mas primeiro, vejamos outras passagens em Hebreus, bem como passagens correlatas em outros pontos da Escritura, a fim de determinar se algo além de "separado" está em vista na palavra "santificado" em Hb 10:29.

Capítulos 9 e 10 estão, como James White apontou, abordando a superioridade de Cristo sobre os sacerdotes levíticos da antiga aliança. O escritor está especialmente interessado com o poder de lavar a alma no sangue de Cristo em contraste ao sangue de animais usados na antiga economia. Enquanto o sangue de "touros e bodes" podia "santificar para a purificação da carne", o santo sangue de Cristo é capaz de limpar a consciência (9:13-14). Somos lembrados que "é impossível o sangue dos touros e bodes tirar pecados" (10:4), mas que o sangue de Cristo "aperfeiçoou para sempre os que são santificados" (10:14), e que sendo assim então limpos pelo sangue de Cristo nós "temos ousadia para entrar aos Santos lugares" (10:19), "tendo os corações aspergidos para a purificação da má consciência, e o corpo lavado com água pura" (10:22). O sangue de Cristo é o meio pelo qual somos perdoados e justificados.

Podemos concluir destas passagens que o sangue de Cristo santifica pecadores mediante uma real e poderosa purificação. Enquanto o sangue de animais meramente representava purificação, e portanto "não poderia nunca tirar os pecados" (10:11), o sangue de Cristo verdadeiramente limpa o pecador da culpa e mancha do pecado, e portanto o faz santo. O mesmo conceito é expresso em 1Jo 1:7, "Porém, se andamos na luz, assim como ele está na luz, temos comunhão uns com os outros, e o sangue de Jesus Cristo, seu Filho, nos limpa de todo pecado" (ênfase minha), e em 1Pe 1:1,2 acerca daqueles que foram "Escolhidos segundo o pré-conhecimento de Deus Pai, em santificação do Espírito, para a obediência e aspersão do sangue de Jesus Cristo..." (ênfase minha). Vemos aqui também que o Espírito de Deus é o Agente que aplica o poder purificador do sangue de Cristo no pecador (veja também 2Ts 2:13).

Devemos especialmente mencionar Hb 13:12, "Por isso também Jesus, para santificar o povo por seu próprio sangue, sofreu fora do portão da cidade." (ênfase minha). A linguagem aqui é importante porque paraleliza com Hb 10:29, "De quanto pior castigo pensais vós será julgado merecedor aquele que pisou o Filho de Deus, e estimou por profano o sangue do Testamento no qual ele foi santificado, e insultou o Espírito da graça?" (ênfase minha). Vemos que em Hb 13:12, é o povo que é santificado pelo sangue de Cristo, e não o próprio Jesus Cristo! Também é a leitura mais natural de Hb 10:29 que é a pessoa que declarou o sangue como impuro que fora, ela mesma, santificada pelo mesmo sangue. É difícil imaginar que qualquer leitor honesto concluiria que o apóstata e o santificado são pessoas distintas, a não ser que dirigido por um comprometimento prévio com a teologia "reformada". Em lugar algum da Missiva aos Hebreus, nem em ponto algum da Escritura, lemos Cristo sendo santificado pelo Seu próprio sangue, nem poderia haver razão alguma para que o santo e irrepreensível Filho de Deus precise de tal purificação. O sangue de Cristo fora derramado para santificação dos pecadores e não de Si Mesmo!

E quanto às referências escriturais de John Owen citadas por Sr. White? Elas ensinam que Jesus Cristo fora santificado pelo Seu próprio sangue? Examinaremos primeiro as passagens citadas de Hebreus, e então trataremos com a referência a Jo 17:19.

Hb 2:10 -- " Porque convinha a aquele, para quem são todas as coisas, e por quem são todas as coisas, que ao trazer muitos filhos à glória, consumasse por meio de aflições o Príncipe da salvação deles". É difícil de ver por que Owen nos referiria a esta passagem em apoio à sua posição. Enquanto a passagem nos fala que Cristo foi aperfeiçoado mediante "aflições", isto está longe de ensinar que Ele foi santificado pelo Seu próprio sangue. Se lermos um pouco mais veremos ao que tais aflições se referenciam: "Porque naquilo em que ele mesmo sofreu ao ser tentado, ele pode socorrer aos que são tentados." (verso 18).

Enquanto esta passagem não dá qualquer apoio real à interpretação de James White, ela ademais verifica que apenas pecadores são santificados pelo sangue de Cristo. O próximo verso se lê "Pois tanto o que santifica como os que são santificados, todos são de um; por isso ele não se envergonha de lhes chamar de irmãos"(2:11). Claramente, Cristo é aquele que santifica, e o povo é que é santificado, e portanto feitos dignos de serem chamados de irmãos. Esta passagem não diz nada acerca de Cristo santificando-Se pelo Seu próprio sangue, mas em vez disso ensina o exato oposto do que White está disputando.

Hb 5:7,9: "Ele, nos dias da sua carne, ofereceu com grande clamor e lágrimas, tanto orações como súplicas para aquele que podia livrá-lo da morte, e foi ouvido por causa do temor,[ ...] E depois de ter sido consumado, ele foi feito autor da eterna salvação a todos os que lhe obedecem;" Novamente devemos nos perguntar: onde é dito em tais versos que Cristo foi purificado [santificado] pelo Seu próprio sangue? Se simplesmente acrescentarmos o verso entre 7 e 9, que Owen estranhamente omite, vemos novamente que o Filho foi aperfeiçoado pelos Seus sofrimentos: "Ainda que fosse o Filho, ele aprendeu a obediência pelas coisas que sofreu". Tais sofrimentos podem se referir à Sua tentação em 2:18, ou pode ser referente à Sua agonia no jardim -- oferecendo orações e súplicas com grande clamor e lágrimas, ou pode referir-se ao Seu sofrimento e morte de cruz, mas não há a menor referência aqui de Cristo sendo santificado pelo Seu próprio sangue!

Hb 9:11-12: "Mas quando veio Cristo, o Sumo Sacerdote dos bens futuros, através do maior e mais perfeito Tabernáculo, não feito por mãos, isto é, não desta criação; Nem pelo sangue de bodes e bezerros, mas pelo seu próprio sangue, entrou uma vez para os Santos lugares, tendo obtido uma eterna redenção para nós". Certamente Owen e Sr. White querem que foquemos nas palavras "[ ...]pelo seu próprio sangue, entrou uma vez para os Santos lugares[ ...]"

Novam,ente, devemos nos perguntar aonde isto significa que Cristo foi santificado pelo Seu próprio sangue. A chave para entender esta passagem é o contexto. O verso 7 nos diz "Mas no segundo [o Santo dos Santos], só o sumo sacerdote, uma vez no ano, não sem sangue, que oferece por si mesmo, e pelos pecados de ignorância do povo". O ponto que o escritor tenta fazer é que os sacerdotes da antiga aliança eram, eles mesmos, pecadores e portanto tinham que oferecer sangue para o propósito de purificar tanto a si mesmos quanto o povo.Eles adentravam o Santo dos Santos com o sangue de touros e cabras para oferecê-los a Deus para purificação. Cristo, ao contrário dos sacerdotes da antiga aliança, não precisava de purificação pessoal. Ele não entrou o Santo dos Santos com o sangue de touros e bodes para oferecer a Deus, mas em vez disso entrou mediante Seu próprio sangue uma vez, para que Ele não mais precisasse repetir Seu sacrifício expiatório.

O verso 14, como já vimos, novamente verifica que Seu precioso sangue foi oferecido com o único propósito de purificar pecadores. Vemos também no verso 14 que Cristo ofereceu a si mesmo sem culpa, e por esta razão não precisou, como os sacerdotes da antiga aliança, de purificação pessoal. Ele era inculpável antes de oferecer-Se a Si Mesmo, e não podia possivelmente ser santificado pelo Seu próprio sangue. Hb 7:26-27 enfatiza inegavelmente esta verdade:

Porque nos era conveniente tal Sumo Sacerdote, santo, inocente, incontaminado, separado dos pecadores, e feito mais alto que os céus; Que não tem necessidade, como os sumos sacerdotes, de cada dia oferecer sacrifícios, primeiramente pelos seus próprios pecados, e depois pelos pecados do povo; pois ele fez isto de uma vez por todas quando ofereceu a si mesmo. {Hebreus 7:26-27 BLIVRE} (ênfase minha)

Cristo ofereceu-Se como sacrifício perfeitamente aceitável a Deus, e Ele derramou Seu santo e precioso sangue com o propósito de purificar pecadores e não a Si Mesmo.Cristo consagrou-Se (santificou-Se) a Si Mesmo mediante Sua vida de submissão e obediência à vontade do Pai, incluindo Seu sacrifício voluntário na cruz do Calvário.

Jo 17:19: "E por eles a mim mesmo me santifico, para que também eles seja santificados em verdade". Aqui claramente se diz que Cristo santificou a Si Mesmo. Sem dúvida esta é a mais forte passagem de Owen. Não podemos assumir, porém, que o mesmo conceito expresso em Hb 10:29 está sendo transmitido nesta passagem. Afinal, esta passagem aparece em um contexto inteiramente diferente e deve ser cuidadosamente considerada à luz de seu contexto. Devemos prestar atenção ao aviso de Sr. White e sermos bem cautelosos "em não imprimir à Escritura um significado que não é parte do contexto original" (ibid. 27, 28).

Vemos que o propósito da santificação no contexto de Hb 10:29 é primariamente a purificação da alma da culpa e mancha do pecado, e que o meio de santificação é o sangue de Cristo. Este não é o caso em Jo 17:19. Nesta passagem a palavra hagiazo é primariamente voltada como sendo separado do mundo, e consagrado para uma determinada missão, e não tem referência ao poder purificador e alvejante do sangue de Cristo (veja Jo 10:36).

Jesus está orando ao Pai acerca de Seus discípulos. Eles foram separado por sua obediência à palavra que Jesus lhes dera (versos 6,14). Eles estão no mundo mas não são do mundo (verso 14). No verso 17 Cristo ora para que o Pai "Santifica-os em tua verdade; tua palavra é a verdade". Cristo então diz

Assim como tu me enviaste, eu os enviei ao mundo. E por eles a mim mesmo me santifico, para que também eles seja santificados em verdade. E não suplico somente por estes, mas também por aqueles que crerão em mim, por sua palavra.{João 17-18-20 BLIVRE}

O meio de santificação dos discípulos nesta passagem é a palavra da verdade (veja Jo 15:3), e não o sangue da aliança. Eles estão separados pela obediência à palavra (verso 6), e são consagrados para o propósito de trazer a palavra da verdade ao mundo (versos 21,23). Da mesma maneira Cristo santificou-Se a Si Mesmo mediante Sua contínua obediência à vontade do Pai, culminando em Sua morte, e morte de cruz (veja Fp 2:8). Os discípulos devem seguir Seu exemplo de obediência em face do sofrimento e morte dado que levam Sua mensagem da verdade pelo mundo. A obediência de Cristo em santidade é o que o qualificou a ser o único sacrifício aceitável e perfeito para os pecados (Hb 5:8,9; 7:26).

É por esta razão que a interpretação que James White quer imprimir em Hb 10:29 é impossível. Cristo foi um cordeiro limpo, sem culpa, inocente, imaculado, e separado dos pecadores (1Pe 1:19, Hb 9:14, 7:26), e portanto não precisava ser santificado pelo Seu próprio sangue. Alegar que Cristo precisava de ser feito santo pelo Seu próprio sangue é semelhante ao ensino dos judeus que o ouro do templo era mais sagrado que o tempo (Mt 23:16). O templo tornava o ouro sagrado, e não o contrário. Da mesma forma, o sangue de Cristo é santo e santifica (torna sagrado) porque é o Seu sangue. O Cordeiro santo e inocente fez o Seu sangue santo, e não o contrário.

Podemos achar perturbador aceitar a possibilidade de que alguém verdadeiramente limpo pelo sangue de Cristo possa ainda assim apostatar-se e perecer eternamente, mas devemos ficar ainda mais apreensivos com qualquer interpretação que procure fazer o santo e inocente Cordeiro de Deus necessitar de purificação por Seu próprio sangue. O próprio Cristo se fez perfeitamente claro acerca de que Seu sangue foi dado parta prover perdão dos pecadores (Lc 22:20; Mt 26:28; Mc 14:24, cf. Ef 1:17), e portanto jamais poderia ser dado com o propósito de santificar-Se a Si Mesmo.

Concluímos concordando com Williams e Peterson que "rejeitam a ideia forjada de John Owen, aceita por Roger Nicole e outros, que en ho hegiasthe se refere a Cristo" (Why I Am Not An Arminian, pg. 86, footnote #24). No próximo post examinarei a interpretação alternativa oferecida por Robert Peterson e Michael Williams bem como a quase idêntica interpretação sugerida por Wayne Grudem.


META
Título Original Perseverance of the Saints Part 7: Who is Sanctified in Hebrews 10:29?
Autor kangaroodort
Link Original https://arminianperspectives.wordpress.com/2008/04/03/perseverance-of-the-saints-part-7-who-is-sanctified-in-hebrews-1029/
Link Arquivado http://archive.is/eMbWL

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